A LEI AUREA E OS DIREITOS ANIMAIS NO BRASIL
POR LETÍCIA FILPI PARA A PAGINA BRASIL SEM TRAÇÃO ANIMAL
16 DE JANEIRO DE 2023
No dia 13 de maio de 1888, depois de 300 anos de escravidão
humana legalizada no território nacional, é assinada e publicada uma lei que finalmente
tornava a hedionda prática ilegal no Brasil. Essa lei, que ficou conhecida como
a “Lei Áurea”, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 ipsis literis, ou seja, nos seus termos
originais, conforme abaixo transcrito:
“LEI Nº 3.353, DE 13 DE MAIO DE
1888.
Declara
extinta a escravidão no Brasil.
A Princesa Imperial
Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro II, faz saber
a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a
lei seguinte:
Art. 1°: É declarada extincta
desde a data desta lei a escravidão no Brazil.
Art. 2°: Revogam-se as
disposições em contrário.
Manda, portanto, a
todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei
pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nella
se contém.
O secretário de
Estado dos Negócios da Agricultura, Comercio e Obras Publicas e interino dos
Negócios Estrangeiros, Bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de sua
Majestade o Imperador, o faça imprimir, publicar e correr.
Dada no Palácio do
Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1888, 67º da Independência e do Império.
Princeza Imperial Regente.
RODRIGO
AUGUSTO DA SILVA
Este texto não substitui o
publicado na CLBR, de 1888
Carta de
lei, pela qual Vossa Alteza Imperial manda executar o Decreto da Assembléia Geral,
que houve por bem sanccionar, declarando extincta a escravidão no Brazil, como
nella se declara.
Para Vossa Alteza
Imperial ver.
Chancellaria-mór do
Império.- Antonio Ferreira Vianna.
Transitou em
13 de Maio de 1888.- José Júlio de Albuquerque” (grifo nosso)
Assim, tendo sido recepcionada pela Carta Maior, continua
vigente no país, protegendo o direito de todos os sujeitos nascidos no Brasil,
assim como cidadãos de outras nacionalidades que aqui estejam residindo ou de
passagem.
Mas, como ela pode ser aplicada aos direitos animais?
A resposta é simples se vier despida de preconceitos especistas, afinal, a norma acima não
estipula expressamente a abolição da escravidão relativa apenas a seres
humanos, ela emana um ditado geral, sem especificar espécie, gênero, raça ou
qualquer outra característica, de modo que pode ser perfeitamente extendida aos
não humanos sencientes, senão, vejamos.
Do dicionário, extraímos o significado da palavra “escravo”:
“escravo
adjetivo substantivo
masculino
1. 1.
que
ou aquele que, privado da liberdade, está submetido à vontade de um senhor, a
quem pertence como propriedade.
2. 2.
que
ou quem está submetido à vontade de outrem, a alguma espécie de poder ou a uma força
incontrolável.”
A mesma fonte nos informa o significado de “escravizar”:
“escravizar
verbo
1. 1.
transitivo direto
submeter
(alguém) à condição de escravo.
"escravizaram
o povo local"
2. 2.
transitivo direto
exercer
dominação moral sobre; oprimir.”
Escravidão, por sua vez é uma palavra originada do
termo latino “esclavus”, que significa
pessoa que é “propriedade de outra” .
Ou seja, depois da Lei Aurea, possuir pessoas e
submetê-las à privação da liberdade é ilegal , bem como inconstitucional.
A recepção da Lei Áurea pela CF/88 foi possível
porque, no artigo 5º desta, os direitos fundamentais dos cidadãos, dentre eles
a vida e a liberdade estão garantidos, de modo que uma norma proibindo
que pessoas sejam propriedade de outras cabe perfeitamente nos preceitos e
ideologias ali registrados como norte do ordenamento jurídico brasileiro.
Mas, os animais podem ser vistos como pessoas ou
cidadãos?
Ora, por óbvio que sim , afinal , já esta
cientificamente comprovado que esses seres são sencientes, tendo, portanto a
capacidade de : pensar, sentir, escolher , além da consciência sobre si mesmos,
sobre o mundo que os cerca e sobre o valor de suas vidas e integridade física.
A Declaração de Cambridge de 2012, colocou uma pá de cal sobre qualquer dúvida
a esse respeito.
Assim sendo, os animais possuem o que é intrínseco
a todo sujeito de direitos : INTERESSE. Qualquer criatura que possua interesses
próprios legítimos e inatos, como os animais , deve ter esses interesses
respeitados e protegidos e é daí que surgem os direitos. Se eu tenho um
interesse que nasceu comigo, como permanecer viva e em condições dignas, esse interesse
se transforma em um direito dentro da sociedade humana, que deve ser acolhido e
respeitado pelos ordenamentos.
Pela Declaração Universal dos Direitos Animais da
Unesco, “ Todo animal tem direitos.”
Pessoa é todo ente moral, não importa a sua forma física
ou a forma como se comunica, os entes morais podem ser humanos ou não humanos. No âmbito do direito, uma pessoa é todo ente ou organismo
susceptível de adquirir direitos e contrair obrigações. No caso dos
animais, estes são sujeitos sui generis,
como são os nascituros , por exemplo, no sentido de que possuem direitos, mas
não são capazes de contrair deveres.
Isso porque os animais não
pertencem à sociedade humana, mas foram forçadamente trazidos para dentro desta
bolha, portanto, não é de interesse deles as regras referentes às relações
humanas, como contratos, direitos políticos, entre outras criações que só aos
humanos interessa. Mas os animais possuem direitos que nascem do interesse
deles, como a vida digna, a liberdade e a prerrogativa de buscar sua felicidade.
Quanto à questão de serem cidadãos,
se essas criaturas vivem nas cidades e são obrigadas a seguir suas regras e
politicas, então devem ser consideradas cidadãs e tratadas como tal.
Desse modo, concluindo que animais
são pessoas e cidadãos e possuem o direito inato à liberdade, é inexorável que
se considere interpretar a Lei Áurea para abraçar as espécies não humanas.
Segundo a Declaração Universal dos
Direitos Animais:
“Art. 5º 1. Todo o animal pertencente a uma espécie que viva
tradicionalmente no meio ambiente do homem tem o direito de viver e de crescer
ao ritmo e nas condições de vida e de liberdade que são próprias da sua
espécie. 2. Toda a modificação deste ritmo ou destas condições que forem
impostas pelo homem com fins mercantis é contrária a este direito.”
Animais
humanos e não humanos são iguais no valor moral. Isso porque, além da senciência,
nunca houve na História, comprovação cientifíca, espiritual, filosófica ou
transcendental de que algumas espécies foram criadas para beneficio ou conforto
de outras. Pelo contrário, Darwin, no famoso livro “A Origem das Espécies”
mostrou provas nunca refutadas de que todos nós temos a mesma origem e que a
vida foi se diversificando conforme o meio e as necessidades biológicas. Seu
livro é prova de que nenhuma espécie é superior às demais e que os seres
humanos são apenas uma dentre os bilhões de formas de vida existentes no planeta
Terra. Nós não somos nada além de mais uma forma de vida.
Concluindo,
se nós, seres humanos, trouxemos, por meio da força bruta, as outras formas de
vida para o seio de nosso grupo social, é justo que, ao menos, reconheçamos que
todas as tentativas de provar a inferioridade delas caíram por terra, porquanto
que todas as teorias de superioridade humana foram sendo derrubadas uma a uma ao
longo dos anos por uma infinidade de cientistas e filósofos. E, reconhecendo
que não somos superiores aos animais, que tenhamos a dignidade de respeitar
seus direitos inatos, aplicando a Lei Aurea e a Constituição Federal para
protegê-los da tirania de nossos pares.
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