CÓPIA DO ACÓRDÃO - DECISÃO QUE DETERMINA A PERMANÊNCIA DA ELEFANTA BAMBI NO SANTUÁRIO DE ELEFANTES BRASIL:


PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Registro: 2021.0000062987 


ACÓRDÃO

 Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2187867-10.2020.8.26.0000, da Comarca de Ribeirão Preto, em que é agravante FORUM NACIONAL DE PROTEÇÃO E DEFESA ANIMAL, são agravados MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO e ESTADO DE SÃO PAULO. 

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: 


Em julgamento ordinário, por maioria de votos, deram provimento ao recurso, vencido o 3º Desembargador que declara, de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores ROBERTO MAIA (Presidente), PAULO AYROSA E PAULO ALCIDES.

 São Paulo, 3 de fevereiro de 2021. 

ROBERTO MAIA 


 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 


Agravo de Instrumento nº 2187867-10.2020.8.26.0000 -Voto nº 22721 2 


AGRAVO DE INSTRUMENTO. 

Ação civil pública. 

Decisão interlocutória que indeferiu tutela de urgência. Insurgência recursal da autora. 

Com razão. Formação do Direito Ambiental, migrando de compromisso ético internacional para força normativa emanada diretamente da Constituição. 

Ciclos da constitucionalização ecológica. Fases axiológicas do Direito Ambiental. 

Interpretação antropocêntrica clássica que é destoante da evolução da tutela ambiental, da própria disciplina ambiental, da inclinação das Cortes Superiores e do próprio Congresso Nacional. Animais estão em um liame entre a proteção autônoma em nome da coletividade e sujeitos de direito. Meio Ambiente pertence à Ordem Social, que não só permite atividade privada de interesse público como incentiva. Na hipótese, bem público é mera formalidade decorrente do interesse coletivo envolvido. Laudos e imagens provando desgaste do ser vivo. Santuário com características compatíveis em benefício do animal. Transferência já realizada com êxito. 

Recurso provido. 

RELATÓRIO: 

Trata-se de agravo de instrumento interposto por Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal contra decisão interlocutória (fls. 623/625 da origem) que, em ação civil pública movida contra a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Município de Ribeirão Preto SP e Zoológico de Ribeirão Preto - SP, indeferiu a tutela provisória de urgência requerida. Irresignado, aduz o agravante, em resumo, que: (A) “a apressada conclusão do d. magistrado prolator está em frontal colisão com as provas acostadas aos autos, em especial Laudo Pericial do Conselho Federal de Medicina Veterinária - CRMV-SP e com as fotografias juntadas, indicando que sequer se deu ao trabalho de analisá-las”; 

(B) “Ora, essa esdrúxula afirmação em nenhum momento foi dita nos autos,  muito ao contrário, o que se disse e exaustivamente se argumentou no petitório inicial foi que no SEB - Santuário de Elefantes Brasil a Elefante BAMBI teria para si um recinto de 2,5 ha (25 mil m2), repetimos - somente para si -, com vegetação nativa virgem que permite que se abrigue adentrando apenas 50 m no recinto, fugindo aos olhares das pouquíssimas pessoas autorizadas a ingressar no local (funcionários e fiscais ambientais), pois o local não é aberto a visitação de qualquer espécie, e que somente após ambientada com os demais elefantes que ocupam os recintos vizinhos seria permitida a aproximação entre os mesmos, mantendo-se os seus respectivos recintos, ou seja, o animal nunca perderia espaço, somente ganharia. E como o ilustre magistrado escreve uma afirmação dessa, totalmente dissociada das provas dos autos?! Será que não viu as fotografias dos recintos? Nem as cartas de recomendação dos governos do Chile e da Argentina sobre os elefantes resgatados daqueles países para o Santuário de Elefantes Brasil?” 

(C) “O fato é que o Estado foi negligente com a nossa Elefante BAMBI, causandolhe severos maus tratos ao longo desses cinco anos em que esteve sob sua tutoria, violando suas liberdades - ou indicadores, como prefere o Conselho Federal de Medicina Veterinária - CFMV - de PPBEA - Protocolo de perícia de Bem-Estar Animal, fisiológicos, psicológicos, sanitários, ambientais e comportamentais, e esse intenso sofrimento a que foi submetido o ser vulnerável está inafastavelmente demonstrado no laudo pericial do Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo - CRMV-SP, na foto transcrita nesta petição de agravo e nas tantas outras juntadas com a petição inicial, nenhuma analisada pelo i. magistrado ad quo.”; 

(D) “Pois bem, direitos animais são uma extensão dos direitos humanos: ambos visam garantir as necessidades primárias de seres que se importam originariamente com o que lhes ocorre, ambos tratam de seres que são fins em si mesmos, ambos são respostas à vulnerabilidade dos indivíduos dependentes entre si. Direitos humanos sem animais são incompletos, pois direitos humanos, como afirmou Cavalieri, não são apenas humanos. Por isso, uma tese sobre direitos animais também é sobre direitos humanos: ela é sobre o mínimo devido a seres vivos que são sujeitos, não objetos. Que são alguém, não algo. Em síntese, não há direito indisponível da Fazenda Pública em manter um animal cativo em situação de maus tratos, e muito estranhamos essa opinião do juiz prolator, ao não querer sequer designar audiência de conciliação, uma vez que vários outros juízos em nosso País têm procedido dessa maneira.”; 

(E) “A urgência é evidente, pois as condições miseráveis a que está sendo submetida a Elefante BAMBI não lhe permitem mais permanecer no seu local atual de cativeiro, e assim inexiste qualquer esgotamento de mérito, como afirma o nobre prolator, haja vista que o objeto da ação, seu pedido, é muito mais amplo, posto que pede-se provimento constitutivo, de constituir a propriedade e posse(tutoria) do animal na pessoa jurídica do Santuário de Elefantes Brasil e ainda danos morais coletivos, no valor mínimo de duzentos mil reais, pela crueldade e insistência no tratamento cruel ao animal, distorcendo o laudo pericial apresentado pelo CRMV-SP e trazendo informações caluniosas sobre o Santuário de Elefantes Brasil - SEB, malferindo os valores mais caros de toda a sociedade, de solidariedade, compaixão e respeito a toda forma de vida que habita nosso pequeno planeta, e dizemos isso por ser um direito constitucional difuso de toda a coletividade brasileira o meio ambiente ecologicamente equilibrado (CF, art. 225, § 1º, inciso VII, in fine), como já dissemos, a Elefante BAMBI não é propriedade exclusiva do município de Ribeirão Preto ou de quem quer que seja, sua vida e seu bem estar interessam a todos, essa a razão do pedido de constituição de propriedade (preferimos o termo tutoria, porque animal não é coisa), e, repetimos, o objeto da ação está longe de ser esgotado pela concessão da tutela de urgência. Finalmente, não há o mínimo perigo de irreversibilidade da medida pleiteada, esse processo durará vários anos e o estado de saúde da Elefante BAMBI não lhe permite esperar nem mais um dia, o Santuário de Elefantes Brasil - SEB já vem pleiteando a custódia do animal desde 2018, conforme consta no inquérito civil público instaurado pelo Ministério Público local, imagine-se quanto tempo demorará para se decidir as decisões interlocutórias, sentenças, acórdãos e seus respectivos recursos de agravo, agravo interno, apelação,  embargos de declaração, pedido de suspensão de eficácia da liminar pelo município, recurso especial, recurso extraordinária, e aí teremos mais agravos internos e embargos (ufa!). Por quantos anos a Elefante BAMBI ficará submetida ao seu martírio? PROVAVELMENTE ESTARÁ MORTA ATÉ O FINAL DESTE PROCESSO, E AÍ SIM HAVERÁ TOTAL IRREVERSIILIDADE FÁTICA por culpa da morosidade do Estado e da mesquinhez e ganância de alguns.”; 

(F) aptidão para o SEB acolher a espécime; e, 

(G) “O clamor popular para libertação da elefante BAMBI surgiu da própria sociedade de Ribeirão Preto, com petição on-line12, contando com mais de 217 mil assinaturas e apoio de artistas como Xuxa e seu marido Juno, haja vista que seus cidadãos foram os primeiros a terem contato com o sofrimento do animal e procuraram ajuda em instituições defensoras dos animais, chegando ao conhecimento da ONG autora Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, através de sua rede de colaboradores, pelo que informamos a este elevado Tribunal que congregamos cerca de cem associações de defesa dos animais em todo o País. Por isso afirmamos, com absoluta convicção, que somos brasileiros, não temos limites territoriais ou regionalismos, nossa atuação é nos limites do território brasileiro e sob o manto da nossa Constituição Federal, à qual veneramos e respeitamos, concentrando nossas atividades na defesa do meio ambiente faunístico.”, Por fim, requer a concessão do efeito suspensivo ao recurso. A fls. 273/276, a antecipação da tutela recursal foi concedida. A Municipalidade e o Estado de São Paulo apresentaram contraminuta (fls. 46/50), pugnando pelo desprovimento. A douta PGJ, através do Exmo. Dr. Valter Foleto Santin, opinou pelo não provimento do agravo interposto (fls. 54/62). 

FUNDAMENTAÇÃO:  

O desenvolvimento do Direito Ambiental como tutela especial do bem jurídico meio ambiente tem uma dinâmica formativa muito próxima àquela verificada aos Direitos Humanos e à própria Constituição. Em relação a esta, o império da lei ocupava o espectro normativo das sociedades, restando às Constituições como marco ético. Fenômeno totalmente diverso aos tempos atuais, em que a marca do neoconstitucionalismo está alicerçado na supremacia da Constituição, na sua plena força normativa, na constitucionalização de todas esferas jurídicas, avanço da jurisdição constitucional e da teoria argumentativa. Processo constitucional paralelo à formação dos Direitos Humanos, em que compromissos éticos internacionais se tornaram o axioma central da ordem jurídica a dignidade da pessoa humana. O ser humano até então cálculo para os regimes totalitários ressurgiu como fonte de soberania e, consequentemente, de legitimação da ordem jurídica, por isso elemento axiológico das Constituições. Com o meio ambiente não foi diferente, inicialmente em um quadro de compromissos éticos internacionais (Conferência de Estocolmo de 1972, Relatório Brundtland de 1982, ECO-92) tomou força jurídica com sua constitucionalização. Neste aspecto, a Constituição Federal de 1988 não passou despercebida, consubstanciando verdadeiro direito subjetivo ao meio ambiente sustentável nos termos do famigerado art. 225. Na lição de José Adércio Sampaio1, não existe uma homogeneidade nesta constituicionalização, subsistindo verdadeiros ciclos de constitucionalismo ecológico: o constitucionalismo ecológico embrionário, delineado por normas protetivas ao meio ambiente de cunho meramente programático dever geral de preservação; o antropocêntrico, confundindo o meio ambiente com o direito individual; 1 SAMPAIO, José Adércio Leite. Os ciclos do constitucionalismo ecológico. Revista Jurídica da FA7. v. 13, n. 2, p. 83-101, jul./dez. 2016. 

e, o biocêntrico, o qual não se limita a proteger o “contexto” meio ambiente, mas alça-lo à categoria de sujeito de direito. Esses perfis de constitucionalização são corolários da evolução filosófica do próprio Direito Ambiental, que costuma ser categorizada em: antropocentrismo clássico, basicamente calcado na centralidade do ser humano e no cálculo do meio ambiente como recurso para preservar o homem posição jurídica de titular; antropocentrismo alargado, o homem ainda como fim inevitável, mas com derrogações para a proteção dos contextos ambientais e singularidades próprias interesse da coletividade; e, o biocentrismo (ou ecocentrismo), o homem como mais um dos sujeitos de direito do meio ambiente integrado. Não se olvida que houve uma contaminação na gestação do Direito Ambiental pelos Direitos Humanos, tanto pela contemporaneidade como pela semelhança do objeto vida. 

A conurbação foi suficiente a confundir a tutela ambiental como a tutela do próprio homem, vide antropocentrismo. Nesta toada, muitos defendem que o art. 225 da CF encampa o antropocentrismo clássico ao dispor que o meio ambiente é bem de uso comum e direito de todos para a sadia qualidade de vida.

 Para tanto ressaltam a clara influência contextual do Princípio 1 do ECO92: 

“Princípio 1. Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável.” 

Evidente que a Constituição Federal de 1988 não possui as características do novo constitucionalismo latino-americano que incorporou explicitamente a chamada “Teoria da Pachamamma”, que declara a “mãe natureza” como sujeito de direitos, consoante  Constituição do Equador e da Bolívia. Todavia, assumir um modelo antropocêntrico clássico é distorcer o texto constitucional, que mitiga esta concepção nos §§ 4º e 5º e incs. I,II, III e VII do §1º do art. 225, em que a proteção dos contextos ambientais sobressaem com autonomia em relação ao ser humano, de modo que no mínimo subsistiria um antropocentrismo alargado no texto constitucional. 

Outrossim, a tese do antropocentrismo clássico na Constituição afrontaria à própria evolução da concepção do meio ambiente, ao fenômeno da mutação constitucional e à vedação ao retrocesso ambiental. No mais, o STF tem se inclinado a uma posição biocêntrica na interpretação do normativo constitucional, vide ADI 4983, tal como o STJ (Resp 1.797.175/SP) e o próprio Congresso Nacional (Lei 14.064/2020). 

Desse modo, ainda que se sustente que os seres vivos não podem ser considerados em si como sujeitos de direitos na ordem jurídica nacional, eles são destinatários de proteção especial desvinculada do ser humano ou mesmo do interesse estatal. Lembro que o meio ambiente é capítulo da Ordem Social, em que há atividades de interesse público, tipicamente estatais, mas não exclusivamente. Isto é, não só é plenamente possível que agentes privados atuem na seara ambiental, como incentivado (“art. 225. (...) impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.”). No caso, ser bem público ou não é mera categoria formal, pois a atividade desenvolvida ainda se dá em favor da coletividade, caso contrário todo arcabouço normativo destinado ao Terceiro Setor seria despiciendo. Por fim, destaco que se trata de ser vivo afastado do seu ecossistema natural e destinado à atividade de lazer com confinamento. Intuitivo que a imersão em um santuário com dimensões  compatíveis, emulação de convívio, pessoal especializado e outras espécimes assemelhadas tragam maior carga protetiva ao animal que em laudos e imagens mostrava visível desgaste. Noto que já houve a transferência do animal, bem sucedida, se encontrando ele hoje em santuário adequado aos elefantes. Por derradeiro, consigna-se expressamente que a análise fática e jurídica retro realizada já levou em conta e dá como prequestionados todos os dispositivos constitucionais e legais ventilados em sede recursal, não sendo preciso transcrevê-los aqui um a um, nem mencionar cada artigo por sua identificação numeral. 

Assim já se pacificou nos tribunais superiores. 

DISPOSITIVO: 

Diante do exposto, voto pelo provimento do recurso. 

ROBERTO MAIA 

Relator

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