DIREITOS HUMANOS E DIREITOS ANIMAIS - UMA REFLEXÃO
Letícia
Filpi
8 de
abril de 2023
Animais
não humanos, assim como os humanos, são seres de existência autônoma, dotados
da capacidade de consciência, vontade e interesses próprios. Assim como nós,
são habitantes do planeta Terra e, nesse sentido, somos todos fruto da Natureza
e habitamos o mesmo espaço físico, sendo dele dependentes.
Tendo
em vista que animais não são criação humana e, portanto, não são sua
propriedade, as leis que permitem ao ser humano explorá-los para seu próprio
beneficio são feitas sob a ótica exclusiva do explorador. Como consequência,
essas leis não possuem nenhum fundamento ético, moral, biológico ou natural,
sendo pura e simplesmente, o conforto daqueles que criaram essas permissões de
escravidão.
Sob esse
padrão de pensamento unilateral, os não-humanos foram trazidos à força ao
ambiente humano e aqui, transformados em números, meros objetos de consumo, que
servem aos propósitos exclusivos da sociedade dos homo sapiens.
Não
existe beneficio aos animais, ao planeta ou ao meio ambiente a legitimação
artificial do uso dos não-humanos como objetos de comércio.
Assim, é
cristalino e inquestionável que forçamos a situação da supremacia humana,
dominamos pela força os outros animais e os objetificamos, ignorando de forma
proposital, a sua capacidade de sentir e a sua existência autônoma.
Neste
ponto de esquizofrenia moral em que nos encontramos, é relevante lembrar que os
não humanos possuem direitos que são incondicionais, inerentes à própria
existência desses seres, afinal, como criaturas dotadas de existência própria,
consciência e capacidade de sentir , animais são sujeitos de uma vida, um fim
em si mesmos, sendo inexorável a conclusão de que são seres morais assim como
nós.
A partir
dessa premissa, é inegável que todas as agressões a que esses seres são submetidos
vivendo forçadamente nas sociedades humanas ocasionem danos a seus direitos
inatos à vida, liberdade e dignidade. Há um sem numero de provas da dor causada
a animais em matadouros, laboratórios, canis clandestinos, zoológicos, aquários
e outras fontes de exploração animal.
Infelizmente,
o direito positivo permite que animais passem pelo que chamam de “sofrimento
necessário”, posto que o conceito de animal para o ordenamento antropocêntrico
é o de animais serem instrumentos para bem estar humano.
É inadmissível
que existam cativeiros para indivíduos que possuem o direito inato a viverem
livres e sorver a vida em um planeta que também os pertence. O solo terrestre é
de todos os que nele habitam, não se trata de propriedade humana. Manter em
cativeiro aquele que possui interesses próprios, humano ou não-humano, é um
desrespeito que jamais poderia ser legalizado pelo Estado de Direito.
Considerando
o direito brasileiro, se faz necessário lembrar que, dentre os valores
protegidos pela nossa Constituição Federal, o direito à liberdade é garantido
no artigo 5º, cujos termos cuidam dos direitos fundamentais:
“Art. 5º
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:”
Temos que
a denominação “todos” refere-se a todos os sujeitos de direitos presentes no
solo brasileiro, de modo que a Carta Maior não especifica a espécie à qual a
palavra se refere e, inclusive, enfatiza: “sem distinção de qualquer natureza”.
Então, conclui-se, sem chance de dúvidas, que todos os sujeitos de direitos os
quais se encontram dentro do solo nacional possuem o direito inato à vida, liberdade,
igualdade, segurança e propriedade e o Estado Democrático de Direito vai apenas
garantir que esses direitos não sejam lesados.
Segundo a
teoria moral kantiana, "as pessoas, e em geral, qualquer espécie racional
, devem existir como fim em si mesmas e jamais como meio, a ser arbitrariamente
usado para este ou aquele propósito. Os objetos têm, por sua vez, um valor
condicionado, por serem irracionais, por isso, são chamados "coisas",
substituíveis que são por outras equivalentes. Os seres racionais , ao revés,
são chamados "pessoas", porque constituem um fim em si mesmos , têm
um valor intrínseco absoluto, são insubstituíveis e únicos, não devendo ser
tomados meramente como meios. (Immanuel Kant, no excerto extraido de artigo
escrito pela jurista Flavia Piovesan para a Revista do Advogado, edição n 143,
2019)
Ora, se
na Declaração de Cambridge, de 2012, ficou cientificamente comprovado que
animais sao dotados da capacidade de sentir, pensar e escolher, sendo, portanto,
racionais, a máxima kantiana acima exposta se aplica inegavelmente a todos, não
importa a forma física ou o modo de se comunicar.
Alem
disso, animais são seres de existência autônoma, não foram criados pela espécie
humana, mas, assim como nós, vêm evoluindo junto com a natureza. Assim, ainda
tendo como retaguarda a teoria kantiana, a autonomia é a base da dignidade de
qualquer criatura racional.
Desse
modo, se pessoas são seres racionais e autônomos, os animais se encaixam nessa
categoria e, como tal, devem ser acolhidos no manto de proteção jurídica dos
ordenamentos humanos.
Em
consequência do que foi exposto acima, do mesmo modo como, em 1948, foi
publicada a Declaração Universal dos Direitos Humanos em resposta às
atrocidades cometidas durante o regime nazista, precisamos, agora da mesma
reação em relação à violação sistemática dos direitos dos não humanos em nossa
sociedade.
Na
Segunda Guerra Mundial e em outros episódios catastróficos de genocidio e
escravidão institucionalizados e legitimados pelos Estados, a lei deu cobertura
à violação dos direitos humanos. Essas afrontas a direitos fundamentais tiveram
como base filosofias, jamais justificadas ou comprovadas, de supremacia de
determinado grupo social. A ilógica condição de superioridade seria baseada
apenas na proteção de interesses estratégicos, políticos e financeiros dos
opressores. Por conta desses interesses menores, os Estados, ao longo da
História, legalizaram artificialmente a anulação de direitos de milhões de
outros seres humanos, permitindo o assassinato em massa, a escravidão, a fome e
todos os tipos de afronta, os quais resultaram em tragédias e traumas sociais
tão profundos, que jamais teremos noção da proporção de suas
consequências.
Assim,
após as barbáries cometidas pelos estados totalitários, em especial, pelo
nazifascismo, hoje há um veemente repúdio da comunidade internacional à
concepção puramente positivista da Lei, que se faz indiferente à valores éticos
e apenas se baseia em formalidades técnicas. A Lei precisa ter valor ético
moral em primeiro lugar, sob pena de voltarmos a estados de injustiça suprema,
cuja expressão mais triste é a "banalização do mal" (Hannah
Arendt).
Mas, se
esse posicionamento serviu de base para a construção dos direitos humanos
porque aos animais é negada essa filosofia?
Os
ordenamentos atuais legalizam e protegem a escravidão, assassinatos em massa,
tratamento degradante de bilhões de indivíduos, assim como ecocídios e
biocídios e outras violações graves de direitos dos não humanos, de modo que,,
paira no ar a pergunta: o repúdio internacional a leis sem valor ético moral é
relativo? Por que razão essa repulsa é condicionada à espécie dos vulneráveis
que precisam de proteção ? E sendo condicionada à espécie, não estamos agindo
tal qual os estados totalitários que relativizaram o mal para suprir interesses
menores e injustos de alguns que autodeclaram superiores?
Direitos
humanos e direitos animais deveriam estar na mesma esfera de proteção, tendo em
vista as provas de igualdade moral de todos os animais, humanos e não-humanos,
uma vez que somos todos sencientes, autônomos, racionais e um fim em nós
mesmos..
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