NOTA DE REPUDIO À NOVA LISTA PET

NOTA DE REPÚDIO À RESOLUÇÃO CONAMA Nº 394 DE 06/11/2007 E À INCLUSÃO DE NOVAS ESPÉCIES DE ANIMAIS SILVESTRES NA CHAMADA LISTA PET


No final do ano de 2020, as discussões a respeito da “lista pet” (documento que discrimina os animais silvestres que podem ser legalmente criados e comercializados no meio urbano) tomaram novo impulso com reunião virtual realizada pela ABEMA (Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Meio Ambiente). Entre novas as espécies de vertebrados elencadas, estão macacos-aranha, jaguatiricas, antas e serpentes.


Assim, frente a este enorme retrocesso ambiental e ético, os advogados animalistas e coletivos abaixo assinados vêm, por meio desta nota, expressar repúdio, primeiramente à resolução 394/07 do Conama, por ser a porta de abertura para a lista pet e, em segundo lugar, `a inclusão de novas espécies de animais no referido rol. 


O Conama, na resolução ora combatida, “estabelece os critérios a serem considerados na determinação das espécies da fauna silvestre, cuja criação e comercialização poderá ser permitida como animais de estimação.”


Os termos da normativa são de causar triste indignação pelo desrespeito à vida e desconsideração dos animais como seres autônomos e com direito inato à vida livre. O Conama, assim, como a Abema, demonstram possuir uma visão ultrapassada na medida em que desconsideram por completo o fato de que os animais silvestres não podem ser objeto de apropriação humana. Conforme se nota na transcrição abaixo, a Resolução trata os não humanos como seres à mercê das vontades da espécie homo sapiens, tratando, inclusive com espantosa naturalidade, a palavra “cativeiro”. Senão, vejamos:


“Art. 2º Para fins desta Resolução entende-se por:

I - animal de estimação: animal proveniente de espécies da fauna silvestre, nascido em criadouro comercial legalmente estabelecido, mantido em cativeiro domiciliar, sem finalidade de abate, de reprodução ou de uso científico e laboratorial;

(...)

II - cativeiro domiciliar: local de endereço fixo, de pessoa física ou jurídica, indicado para manutenção e manejo de animais de estimação da fauna silvestre;” (grifos nossos)



“Cativeiro”  parece ser uma expressão ética na visão do Conama, quando, na realidade, é inadmissível que existam cativeiros para indivíduos que possuem o direito inato a viverem livres e sorver a vida em um planeta que também  os pertence. Vejam, o solo terrestre é de todos os que nele habitam, não se trata de  propriedade humana.  Manter em cativeiro aquele que possui interesses próprios, humano ou não-humano, é um desrespeito que jamais poderia ser legalizado pelo Estado de Direito. 


É necessário considerar que, dentre os valores protegidos pela Constituição Federal, o direito à liberdade é garantido no artigo 5º, cujos termos cuidam dos direitos fundamentais:


“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”



É certo que a denominação “todos” refere-se a todos os sujeitos de direitos presentes no solo brasileiro, de modo que a Carta Maior não especifica a espécie à qual a palavra se refere e, inclusive, enfatiza: “sem distinção de qualquer natureza”. Então, conclui-se, sem chance de dúvidas, que todos os sujeitos de direitos os quais se encontram dentro do solo nacional possuem o direito inato à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade e o Estado Democrático de Direito vai apenas garantir que esses direitos não sejam lesados. 



Ora, se o Estado Brasileiro, em sua Lei Maior, garante a liberdade e a segurança a todos os indivíduos sob sua tutela, então, a Resolução Conama 394/07 padece de vício de inconstitucionalidade material e essa é a primeira razão desta nota de repúdio, afinal, o referido órgão ambiental não pode atravessar as garantias da Constituição Federal, especialmente, se for no intuito de viabilizar atividades comerciais que consistem em aprisionar, criar em cativeiro e domesticar, à custa de muito sofrimento, indivíduos livres. Ou seja, atividades que têm como cotidiano, a privação da liberdade e a objetificação de criaturas com interesses próprios. 


É preciso lembrar: a captura e criação em cativeiro é atividade que consiste em privação da liberdade do outro. Liberdade é direito inato, garantido pela Lei Máxima do Brasil. Ou seja, não é possível uma resolução que prevê a regulamentação de atos que afrontem garantia constitucional tão cara.


Não obstante, a normativa em questão fundamenta seus termos na preservação da vida silvestre, sendo certo que nos parece contraditório pensar que a preservação dessas vidas não servirá para que voltem ao meio ambiente e cumpram sua função ecológica, mas sim, para que fiquem confinados em casas e apartamentos, longe da natureza. Então, se é para multiplicar essas vidas em cativeiro com o fim de serem vendidas no meio urbano e viverem aprisionadas longe dos biomas dos quais são originárias, sua preservação de nada valerá. Isso porque serão reproduzidos em criadouros comerciais milhares de animais com o intuito de venda ao público, sendo que viverão na torturante angústia do confinamento até morrerem sem a chance de colocar em prática sua função vital.


De que valerão as vidas desses indivíduos senão para dar lucro a um grupo de comerciantes?  Qual a ponderação de valores que o Conama considerou para confeccionar essa norma?  A normatização do desrespeito à liberdade com a captura, aprisionamento, reprodução e venda de animais que terão uma vida objetificada e completamente inútil para privilegiar uma determinada atividade comercial.  O lucro acima da liberdade.


Adiante, alguns excertos da Resolução que comprovam a tese ora explicitada (os grifos são nossos):


“Considerando que o Brasil é signatário da Convenção sobre Diversidade Biológica - CDB, que tem como objetivos a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes;

Considerando que é vital prever, prevenir e combater na origem as causas da sensível redução ou perda da diversidade biológica;

controlar ou erradicar e impedir que se introduzam espécies exóticas que ameacem os ecossistemas, habitats ou espécies; e

Considerando a necessidade de padronizar a regulamentação da utilização da fauna silvestre nativa e exótica ex situ em território brasileiro, visando atender às finalidades de conservação, manutenção, criação e comercialização, com a intenção de diminuir a pressão de caça na natureza sobre espécies silvestres nativas com potencial econômico, evitar a introdução de espécies exóticas, resolve:”


Ou seja, o Conama deixa claro que, para diminuir a caça de animais na natureza e preservar as espécies, permitirá que indivíduos da fauna nativa sejam reproduzidos em cativeiro para comércio. Ocorre que, como já afirmado acima, ao que tudo indica, a inversão de valores foi o norte desta resolução, uma vez que, para diminuir a caça e preservar as espécies, legalizou-se um comércio que envolverá privação de liberdade e o perigoso contato entre humanos e animais silvestres, sua reprodução em massa (é da essência do comércio fazer crescer as vendas para diminuir os custos e obter uma margem de lucro que justifique o negócio), com a consequente superpopulação de indivíduos, que vai contra todos os ciclos da natureza. 

Tendo-se em vista que animais não são objetos e, especialmente os silvestres, possuem características biológicas peculiares, a legalização do comércio de animais selvagens como pets é, não só uma afronta constitucional, como uma temeridade sanitária.

Assim, ao invés de investir na educação como medida de conscientização e na fiscalização como forma de prevenção da caça ilegal, o Conama buscou saída na reprodução em cativeiro de cópias de animais selvagens, como se fossem objetos a seres fabricados nas cidades para deleite dos humanos.


O Estado brasileiro precisa entender que animais silvestres são indivíduos de vida autônoma, habitantes do planeta Terra e importantes para que o equilíbrio da vida se estabeleça. As espécies que vivem nos biomas brasileiros possuem função ecológica de substancial importância para o equilíbrio das cadeias alimentares, do solo, das águas, da vegetação. São eles que fazem as trocas biológicas necessárias para que a vida aconteça. Assim, a retirada de um animal silvestre de seu habitat causa desequilíbrios ecológicos irreversíveis. Não obstante isso, a captura ilegal desses terráqueos é atividade comum por ser pouco fiscalizada e, normalmente, impune. Segundo dados da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), por ano, cerca de 38 milhões de animais são capturados na natureza para serem vendidos como pets em feiras e comércios ilegais.


Esses indivíduos são separados de seus pares, trazidos para as cidades, onde serão confinados em espaços inadequados para o resto de suas vidas. Agora, vejamos a inversão de valores: privar um animal de sua função biológica, liberdade, dignidade e sustento para confiná-lo em gaiolas ou jaulas onde passará dias e noites sem se locomover, sem exercer suas habilidades, sem o direito de se expressar, de colocar em prática suas inúmeras capacidades físicas e cognitivas. Será transformado em um objeto inanimado, desprezado como sujeito senciente e vivente.  


O Conama, em suas razões, explica que a reprodução e comércio em cativeiro visa prevenir o tráfico, entretanto, é pouco provável que esse problema se resolverá sem investimento em fiscalização e aplicação da lei aos caçadores e traficantes de animais, afinal, o comércio ilegal é atividade que acontece à margem das leis trabalhistas, fiscais e sanitárias, sendo, portanto, mais lucrativa. 


Além disso,  o animal que nascerá em cativeiro sofrerá a mesma angústia do confinamento, de forma que, além de não impedir a caça, o referido órgão ainda criou um problema ético insolúvel. A questão sanitária também não será equacionada, afinal ter uma anta no quintal de casa consiste em fazer trocas biológicas com consequências imprevisíveis para humanos do meio urbano. Devemos lembrar que a pandemia de COVID-19, que faz o mundo inteiro padecer, é oriunda deste contato entre humanos e animais silvestres.


O mais surpreendente é pensar que, em torno dessa atividade, desenvolveu-se toda uma cadeia econômica: gaiolas, comedouros, ração, brinquedos, etc. Tudo para manter encarcerados seres que necessitam de liberdade.  


38 milhões de indivíduos abduzidos de seus biomas por ano e o Conama, ao invés de buscar formas de fiscalizar mais duramente e proibir o tráfico, se ocupa em legalizar e perpetuar a cultura do animal como propriedade e objeto para deleite de humanos.


Além da questão ética, sanitária e constitucional, existe ainda, um outro viés que consiste em se considerar o artigo 32 da Lei 9.605/98.  Reproduzir animais em cativeiro é de uma responsabilidade gigantesca, uma vez que as lojas e criadouros buscarão vender esses indivíduos, muitas vezes induzindo os compradores por impulso, o que facilitará o abandono e os maus tratos. 


Ora, se com cães e gatos, que são animais domesticados há milênios, ocorre o abandono e as agressões, imaginemos o que não acontecerá com uma jaguatirica, um macaco, uma anta? Se existem problemas de adaptação em relação a cães e gatos, com felinos silvestres, répteis e outros animais que não nasceram para o meio urbano, serão infinitamente mais corriqueiras as incompatibilidades que levarão ao abandono desses animais em áreas inadequadas, gerando problemas para os biomas e para o meio urbano, isso sem mencionar os espancamentos, privações, torturas e matança, crimes que assistimos diariamente tutores despreparados cometerem contra seus tutelados. 


Além disso, devemos considerar que causar qualquer espécie de tormento físico ou psíquico em animais consiste em conduta criminosa perante a hipótese do artigo 32 da lei de crimes ambientais, de modo que, comercializar animais de vida livre é uma atividade intrinsecamente cruel e, portanto, uma afronta á lei ora mencionada.


A norma diz o seguinte: 


Art 32 “Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.”


Significa dizer que causar sofrimento a um animal é crime. Esse é um tipo penal aberto, não há um elenco taxativo de condutas que se encaixam nos termos “abuso” e “maus tratos”, de forma que a interpretação é pela causação de sofrimento físico ou emocional. 


E animais sentem o confinamento por serem sencientes, dotados de capacidades emocionais que os fazem ter consciência de seu sofrimento e de sua condição de miserabilidade. Um animal sabe o que quer para si. Quando os assistimos vivendo em condições desumanas de cativeiro, a ideia de que estão habituados àquela situação e até gostam vem da nossa milenar alienação.

Conceber um animal como acostumado ao cativeiro é uma confortável ilusão dos seres humanos. Animais são seres limpos, gostam de boa comida, água de qualidade e, principalmente, precisam tomar suas próprias decisões,  ir e vir para onde e quando quiserem. Assim como nós humanos, nenhum animal se compraz em comer ração, viver em permanente privação de direitos,  no meio de suas fezes e dejetos  e não ter a possibilidade de fazer as próprias escolhas. O fato de estarem passivos diante do cárcere não comprova que estejam habituados, significa que desistiram de lutar, sabem que é impossível fugir e estão conformados com o destino cruel do confinamento eterno. Por outro lado animais muito apegados aos “donos” padecem de uma eterna carência de seus pares, são indivíduos que reagem ao cárcere procurando minimizar o sofrimento. Devemos lembrar que o “dono” é tudo o que restou àquele animal. Como qualquer criatura senciente, os animais reagem de diferentes formas ao confinamento, entretanto, devido ao fato de nenhum deles conseguir pedir socorro na linguagem humana, fica fácil para nós desconsiderarmos suas súplicas e simplesmente, ignorar seu sofrimento nos convencendo de que estão bem.


Assim, impossível que não exista sofrimento físico e psíquico no cárcere e, portanto, confinar é conduta que se encaixa na hipótese legal de maus tratos, devendo ser coibida nos rigores da lei. 


Frente a todo o exposto, vimos por meio desta nota, expressar repúdio a Resolução Conama 394/07, bem como á nova lista pet confeccionada pela ABEMA, por representarem um problema ético, ambiental, sanitário e afrontar a Constituição Federal e a lei 9.605/98.


São Paulo, 12 de fevereiro de 2021



GAAV – Grupo de Advogadas Animalistas Voluntárias

Anda – Agência de Notícias de Direitos Animais

Coletivo Nação Vegana

Coletivo Vozes em Luto 

Coletivo Direct Action RJ - DXE

Movimento Rio de Janeiro pelos Direitos Animais

Associação Anjos de Patas - Alfenas - MG

Frente Mineira de Proteção Animal

Movimento do interior mineiro para promoção de Políticas Públicas para Animais

FAOS - Federação das Associações e Ongs, Sociedades Protetoras dos Animais e Sindicatos de Profissionais da Proteção Animal do Estado de São Paulo

ELO ANIMAL - REDE SUSTENTABILIDADE

Associação Justo Olhar - Montes Claros MG

Rafael Fernandes Titan - OAB/PA 23.468

Juliana Paz -  OAB-PI 10.244

Ana Paula de Vasconcelos - OAB/ DF 41.036

Jaqueline Tupinambá Frigi - OAB SP 168.039

Carolina Elisa Margonari - OAB/SP 366 409

Antilia da Monteira Reis - OAB/SP 120.576

Larissa Soares da Silva-  OAB/SP 419.255

Paulo Cesar Rosa da Conceição  - DI 1048601254

Adriana Grecco

Barbara Andreia Giacaglia

Claudia Usai Gomes

Marcia Torres Cavalcante

Vanessa Lopes Granado

Letícia Teodoro Barboza




Comentários

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Animais Silvestres nunca serão animais pets , para se criar o animal preso , infeliz sem culpa alguma de estar preso . Querem observar esses animais com mais vida e felizes , os veem na TV ou soltos nas florestas !!! Exploração animal JAMAIS!

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